sábado, 9 de maio de 2009

O velho sofá...

Gosto de usar as minhas histórias na vida dos outros. Criar personagens, fazê-las viver o que eu vivo. Cheguei porém a um ponto em que nada disto é possível. Ou a minha vida deixava de ser vivida por mim ou passava eu a viver história inventada ao teclado, sentado num velhinho sofá. Um sofá castanho de pele que havia em casa dos meus bisavós. A pele hoje já mais gasta faz-me pensar que a vida também se gasta. Que os medos, como os rasgões na pela cada vez mais clara do sofá, vão se multiplicando e crescendo, tomando conta das memórias que guardamos da vida, dos momentos sentados no sofá à lareira enquanto escutamos “Abendempfindung” de Mozart na grafonola antiga que hoje já não toca. Sei-o não por já ter tentado mas por a ver tanto tempo parada sem emitir um som.




O sofá precisa de uma pele nova. E manda a nova decoração da antiga sala de música que o sofá seja vermelho. Dói o vermelho. Sinto já o sangue a pingar lentamente de cada ferida.. Mas sei que as feridas saram, o sangue seca, a cicatriz desaparece e a D. Helena limpa o chão manchado de sangue... Fica agora a velha grafonola, o sofá já vermelho e eu… sento-me ao piano a ver quão triste é a vida com um sofá diferente, um sofá que já não reconhecemos. Não vejo nele já qualquer lembrança de mim.. Esqueci-me. Já não acredito em mim. Já não acredito em sofás castanhos… até esses nos fogem…




.

1 comentário:

Martinha disse...

«A pele hoje já mais gasta faz-me pensar que a vida também se gasta.»

Gasta-se, e de que maneira! E ainda se gasta mais quando em vez de a vivermos, sobrevivemos a ela.
Então nestes momentos de rotina é que sentimos que em certos momentos a vida foge-nos por entre os dedos... Por isso cito a expressão "carpe diem", que se adapta. :)

Beijo *